domingo, 10 de julho de 2016

Um presidente de Visão

Ele tinha tudo para não amar o manto tricolor. Seu pai era um português flamenguista, isso mesmo, e sua mãe torcia pelo time da colina. Quem salvou Manoel de Oliveira destes possíveis sórdidos destinos foi seu avô, um daqueles senhores torcedores fanáticos que influenciou o neto e o levou para o bom caminho: adorar o verde, branco e o grená.

E ele contou com outro mentor no caminho do futebol. O senhor Gilson, um vizinho tricolor apaixonado pelo clube e de quem ganhou a sua primeira camisa. E foi com ele que Manoel assistiu ao seu primeiro jogo no Maracanã, a semifinal do Brasileirão de 1976, com aquela disputa épica contra o Corinthians, onde houve a ‘invasão Corintiana’. A decisão foi para a cobrança de pênaltis e o time paulista venceu.

- Eu era criança e me emocionei muito. Ainda guardo na memória cenas daquele dia e daí por diante passei a defender com todas as forças o tricolor. Seu Gilson me ajudou a virar um tricolor sadio e fanático, comenta.

Manoel conta que essa partida o faz recordar a história do seu filho Bruno, que também presenciou uma derrota do Fluminense em seu primeiro jogo.

- Foi contra o Vasco, com gols do Léo Lima, e mesmo assim ele seguiu os meus passos e é tricolor. Acho que as derrotas mostram o amor fidedigno pelo que damos a verdadeira importância, diz.

Atualmente é presidente da Young Flu, componente da torcida desde 1985, e sempre teve como ideal defender o clube. Segundo ele, uma torcida organizada geralmente é mal vista pelas pessoas que geralmente as rotulam como violentas.

- Uma torcida organizada é igual a uma sociedade. Ela tem engenheiros, policiais, advogados, pessoas de todas as classes sociais. Eu discuto muito isso dentro do clube que acha que tem torcedores de elite e já não somos de elite tem tempo. Somos uma torcida de massa. Temos mais de dez milhões de torcedores.  Muita coisa mudou - afirma ele.

Para Manoel uma torcida organizada não tem como objetivo disseminar a violência, pelo contrário, ele é absolutamente contra isso. A premissa básica do presidente da Young Flu é estimular o Fluminense, apoiar o clube em todos os momentos.




- Viajo o Brasil todo e considero o GEPE o melhor policiamento do Brasil. As brigas geralmente acontecem com pessoas que dizem ser da torcida e nem sempre são. Não pagam taxa, não têm carteirinha. Eu trabalho para limpar a imagem da nossa torcida, mas para isso precisamos de uma ação conjunta com os órgãos responsáveis, comenta.

Para isso o diálogo entre os presidentes das Torcidas Organizadas e a diretoria do clube é essencial. No entanto isso nem sempre é fácil.

- Não vou pedir nada ao clube. Eles costumam nos chamar de ‘câncer’ e dizer que só aparecemos lá para tirar. Não é bem assim que funciona. Vou te contar um caso recente. Fui com mais sete tricolores amigos assistir uma partida da Copa do Brasil. Saímos daqui para o local onde seria o jogo e decidi ir até o hotel onde a delegação estava hospedada. Liguei para um amigo e pedi para ele conseguir ingressos. Ele negou e disse que havia dado para os jogadores. E eu cito aqui que ele disse que o Cícero ganhou quarenta. Um jogador que ganha 400 mil reais de salário pode ganhar quarenta ingressos, mas oito componentes da torcida não. Fomos até a bilheteria e pagamos pelos nossos,  conta ele.

Em um ano e meio de gestão Manoel conta que só conseguiu falar com o presidente Peter Siemens duas vezes. Ele não sabe ao certo especificar qual o tipo de problema que o dirigente tem com as TO’s e conta que disse a ele “Presidente, se o senhor quiser ajudar, ótimo. Se não, vamos mostrar a força que temos”.

- O Peter na época se arreganhou, não teve controle e agora quer dar tapa na cara dos outros. Creio que ele podia pensar com carinho num projeto maior de sócio torcedor organizado. Quantos são? Mil. E de quanto de lucro para o clube? Ah deu trinta mil. Então vou dar 5% para colaborar com o trabalho das organizadas. É uma coisa muito fácil, analisa.

No entanto o presidente demitiu todos os funcionários do departamento de marketing do clube e terceirizou o setor.

- Isso é chamar o torcedor de burro. Na verdade o torcedor povão nem faz ideia disso, pois não vive o dia a dia do clube. São poucos os que têm noção do que acontece. Futebol é paixão e os dirigentes brincam com a paixão dos outros. Tem gente que larga a mulher mas não larga o clube.

Ele conta que também disse a Peter: “Presidente eu já vi macumbeiro virar evangélico, vi católico virar macumbeiro, mas nunca vi um tricolor virar flamenguista. Então o senhor preste muita atenção com que faz com nosso Fluminense”.

O maior patrimônio que um clube tem é a torcida, isso era dito por seu “eterno presidente” David Fischel. No momento atual a sede da Young Flu passa por reformas e para homenagear esse homem que tanto fez pelo clube haverá uma sala de recepção com o seu nome.

Maior tristeza que Manoel sentiu foi quando seu clube de coração foi rebaixado, fato que ele considerou muito humilhante e o fez sentir dor, tristeza, aperto no coração e confessa que chorou. E foi nessa época que recebeu uma visita especial na antiga salinha no Méier onde a torcida funcionava.

- Eu era vice-presidente quando fomos rebaixados e aí volto a ressaltar que a torcida não sabe a força que tem. Um dia, chega o Francisco Horta para falar com o presidente, o Marcos Tadeu do Carmo, e disse que precisavam fazer uma reunião. Horta sempre dizia: “Eu compro e a torcida paga” e era verdade. Ele tinha essa ideologia. Tanto que conseguiu colocar 60 mil tricolores no Maracanã, num sábado de Carnaval. Não é para qualquer um, relembra.

O que Horta desejava era contar com o apoio das torcidas para apoiá-lo num triunvirato, já que ele não podia concorrer ao cargo. David Fischel seria o candidato à presidência; Francisco Horta cuidaria do departamento de futebol; e o ex-dirigente José de Souza seria o responsável pela parte administrativa. Os três uniriam esforços para tentar vencer a eleição e se transformar assim nos co-gestores do Fluminense. E a torcida comprou a ideia.

David Fischel fez muito pelo clube e Manoel faz questão de ressaltar todas as suas conquistas.

- A Unimed veio parar no Fluminense por causa dele; a Adidas por ele também, assim como o Carlos Alberto Parreira. Aquela sala de treinamento que o clube tem foi obra dele. Os outros saíram e ele ficou até o final. Ele era o cara e fechou com a torcida sempre. Por isso prestaremos essa homenagem a esse grande tricolor, enaltece.



Perder a Copa Libertadores, em 2008, foi o seu grande baque. A torcida deu um espetáculo, foi guerreira e compareceu em massa ao Maracanã. Ele diz que o elenco perdeu de cabeça erguida e que para esses atletas bate palmas.

Só que nem de tristezas vive nosso amigo tricolor. Ele já teve a honra de vivenciar diversos momentos de extrema felicidade como a final do Campeonato Carioca de 1985, onde o Fluminense venceu o 
Flamengo.

- Aquele time tinha Pintinho, Rubens Galaxe, Cláudio Adão e era desacreditado, só que fomos lá e ganhamos o título. Tem outra história engraçada de um triangular Fluminense, Flamengo e Bangu. Fomos para o jogo do Flamengo e vimos o Bangu ganhar. Fomos campeões de novo. Eu estava lá, recorda.

Ele afirma que o maior rival é o Flamengo e que o maior clássico de todos é o Fla x Flu, conhecido mundialmente.

- Faz parte da história do Rio de Janeiro, ainda mais quando a bola ia parar lá na Lagoa, diz com um sorriso farto.

Estar no Maracanã é uma das coisas que Manoel mais gosta de fazer e considera muito emocionante. As pessoas que não gostam de futebol não entendem.

Ele viu Rivelino jogar e guarda a sete chaves um livro do atleta, “Vai para casa Roberto”, assinado pelo próprio.

- Eu adorava o futebol dele. Naquela época eu também amava o Pintinho, o bicho era brabo e não tinha medo de ninguém, além de jogar muita bola. Tenho simpatia pelo Edinho, que foi um grande jogador. Agora quem fez meus olhos brilharem foi o Romerito, tem outro não. Depois desse time, ficamos num período triste. Foram dezesseis anos sem ganhar um título.

Manoel diz que nos dias de hoje o jogador fica um mês sem jogar, no chinelinho, por atraso de pagamento. Romerito não, ele entrava com ou sem salário em campo e honrava a camisa. Aquela rapaziada mais antiga era assim. Para ele, o futebol brasileiro atual carece de ídolos.

- Acho que neste momento no Brasil só vejo dois. O Rogério Ceni e o Marcos que só jogaram no São Paulo e no Palmeiras. Eles receberam várias ofertas e nunca saíram. Essas duas torcidas podem bater no peito e dizer que tem ídolos, dispara.





O que é ser tricolor? Pergunto a ele.

- É ser diferenciado de qualquer time. Eles olham para a gente com inveja das nossas cores. O escudo mais bonito do Brasil é o nosso e digo o mesmo da camisa. Tenho um orgulho danado e faço tudo pelo Fluminense.

E faz mesmo. Inclusive se o assunto for relacionamentos. Ele já chegou ao ponto de acabar um casamento por essa paixão inenarrável. Ela não aceitava suas viagens constantes e a relação desgastou-se.

- Já casei mais duas vezes depois e o Fluminense continua. Tudo vai passando na vida menos meu clube. Vou morrer tricolor. Ele é eterno. Tenho três paixões na minha vida: as minhas famílias, o Fluminense e a Young Flu. E ninguém mexe com isso, não deixo.

Ele sabe separar o Fluminense da Young Flu e diz que alguns componentes da torcida são muito apaixonados pela torcida e acabam meio bitolados, mas que eles têm que saber que a origem da Young Flu é o Fluminense.

- Se algum dia o clube vier a acabar, a torcida acaba junto. A Young pode acabar mas o Fluminense vai continuar. As pessoas precisam aprender a dividir isso.

E em sua família todos seguiram o caminho do pai. Os filhos, três meninas e dois meninos, são tricolores. A última vez que foi junto com a prole ao Maracanã foi no jogo contra o Guarani, em 2012, e foi muito especial. Manoel conta que Xandão, o menor, é o mais fanático e fala isso com um orgulho imenso.

Morador de um condomínio na Piedade, ele garante que 95% das crianças do local são tricolores. Claro que os vizinhos dizem que ele tem um dedo nisso.

- Levo camisa da torcida a todos, trago eles aqui para a sede na festa das crianças. Cuido da nova geração de tricolores. Se você não expõe a marca, a mídia não conquista as pessoas. Lá perto de casa tem um campo que é tricolor e tem uma Escolinha dos Guerreirinhos. Teve um jogo que eu resolvi apoiar os meninos e coloquei faixa da Young, bandeiras, bateria e fizemos a festa. Os moleques adoraram. Quero semear esse amor pela torcida, diz.
E eu pergunto o que ele quer ver antes de partir para o andar de cima.

- Quero ver o Fluminense campeão do mundo e estarei neste jogo seja aonde for. Vendo carro, moto, o que for e vou, afirma.

Que os Deuses do Futebol te ouçam Manoel!


Legendas e créditos das fotos:

Foto 1 - O presidente junto aos componentes da torcida. Crédito: Arquivo Young Flu.

Foto 2 - Manoel de Oliveira recebe uma camisa especial de Armando Alcoforado, fundador da torcida.  Crédito: Arquivo Young Flu.

Foto 3 – O presidente durante a entrevista na sede concedida na sede da torcida. Crédito: Carla Cristina.

Foto 4 - Manoel recebe na sede nosso ex-jogador Vinícius. Crédito: Arquivo Young Flu.








10 comentários:

  1. Muito bom o seu blog e sua narrativa! Viva o Fluzão!!

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  2. Grata pela leitura e carinho Cleber. A casa é sua! Vamos marcar a nossa entrevista.. Beijos

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    1. Olá Marcelo. Muito grata pela leitura. Continue a acompanhar nosso cantinho Tricolor. Saudações!!!!

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  4. Muito boa entrevista, o outro lado dos fatos.Peter e flusócio, podem esperar.

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    1. Aqui é lugar para a minha família tricolor.. Nós somos a maior relíquia do clube, meu nobre. Saudações Tricolores!

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  5. Muito legal! Pena ter tão pouco espaço na mídia para mostrar o outro lado da moeda. Parabéns, ficou muito bom!

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    1. Olá Marcelo! Agora temos um cantinho tricolor. Grata pela leitura e pelo carinho. Saudações Tricolores!

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  6. Parabéns lindo texto, que grande figura é Manoel verdadeiro Tricolor é verdade por causa dele na década de 90 vários jovem fortaleceu à Young inclusive eu, minha carteirinha é de 90, Manoel verdadeiro Tricolor e apaixonado pela nossa Young Flu... belíssimo texto, parabéns Carla...!!!

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  7. Parabéns lindo texto, que grande figura é Manoel verdadeiro Tricolor é verdade por causa dele na década de 90 vários jovem fortaleceu à Young inclusive eu, minha carteirinha é de 90, Manoel verdadeiro Tricolor e apaixonado pela nossa Young Flu... belíssimo texto, parabéns Carla...!!!

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