No dia em que conheci minha amiga Carla usava uma de minhas
camisas do Fluminense e de imediato ela disse:
- Minha mãe também é tricolor roxa, assim como você. Já vi
que serão amigas.
E a profecia se cumpriu. Ao conhecer a tia Laizete Tavares
houve aquela empatia instantânea e, claro, que o Fluminense teve muito a ver
com isso. Ela me contou tantas histórias incríveis e eu pensava: “Que mulher
sensacional e ousada por ter participado de uma torcida numa época onde o
preconceito comia solto.” Ela era da Young Flu, por sinal, outro amor que temos
em comum.
E ela ficou lisonjeada ao conceder a entrevista pela
oportunidade de compartilhar o que foi capaz de fazer para manter o nosso
Fluminense em seu lugar de destaque dentro do cenário do futebol brasileiro.
Nascida em Fortaleza, ela sempre nutriu uma paixão pelo
clube, era coisa de família, e apesar da distância e do fato de não poder assistir
aos jogos de seu time, manteve acesa a chama. A situação mudou quando aos 22
anos mudou-se para o Rio de Janeiro e foi morar na casa de seus tios, ele um
italiano louco pelo Fluminense, que passou a levá-la aos estádios.
- Era uma época onde as rodadas aconteciam à noite e me
lembro com muita emoção da primeira vez que pisei no Maracanã. Estava um frio
danado e eu ali sentindo aquele arrebatamento, foi inesquecível, conta ela.
Sua paixão pela torcida Young Flu aconteceu um pouco mais
tarde. Foi quando conheceu seu ex-marido, que a apresentou ao então presidente Armando
Giesta, em meados de 1974. Ele cuidava das coisas da torcida e ela se animou de
imediato e pediu a ele para participar das reuniões. Em 1978, Giesta a chamou e
disse:
- Baixinha vou te registrar. E assim foi feito. Minha
carteirinha era número 134, recorda orgulhosa.
Baixinha era o apelido carinhoso que ela ganhou do querido
Armando. E naquela época uma mulher fazer parte de torcida não era tarefa
fácil. Elas eram mal vistas, só que a Tia Laizete nunca ligou para isso.
- Gostava muito daquele ritual de chegar ao Maracanã às dez
da manhã para enrolar papel higiênico e ensacar talco. Era uma galera que
ficava na nossa antiga sala 18. E nem sempre tínhamos a autorização da polícia,
mesmo assim pulávamos o muro e fazíamos tudo escondido.
E por falar em pular muro, ela pulou placar eletrônico também numa rodada dupla. O Fluminense jogou contra o Atlético e o Flamengo entraria em campo logo depois. E na hora da saída os torcedores do nosso maior rival cercaram a torcida tricolor.
E por falar em pular muro, ela pulou placar eletrônico também numa rodada dupla. O Fluminense jogou contra o Atlético e o Flamengo entraria em campo logo depois. E na hora da saída os torcedores do nosso maior rival cercaram a torcida tricolor.
- Corríamos para todos os lados e eles nos cercavam e, com
isso, a solução foi fazer uma Tereza (amarrar uma camisa na outra) para pulamos
o placar e não sofrermos agressões. Armando Giesta e vários amigos da torcida
estavam juntos neste dia, conta ela.
Ela também passou por experiências terríveis.
- Teve um jogo contra o Corinthians que não conseguíamos sair
do estádio para entrar no ônibus, pois a torcida deles queria pegar a nossa.
Chegou uma hora em que nossos meninos se encheram de coragem e fizeram uma fila
para que as meninas conseguissem chegar ao veículo. E lá dentro preparamos uns bambus
com areia e demos para eles usarem em sua defesa. Lembro que rodamos pela
cidade até às nove horas da manhã, pois não conseguíamos sair da cidade, até
que apagamos o ônibus e colocamos o resto dos morteiros nas janelas. Quando os
corintianos perceberam já era tarde, os morteiros acesos assustaram e os pegaram
de surpresa, conta.
Ela fala da sua Young Flu com brilho nos olhos e afirma que é
uma torcida boa, só de amigos, além de ser a mais bonita torcida do Fluminense.
Laizete largava tudo pelo Fluminense. Como não trabalhava dedicava seu tempo ao
clube e estava sempre junto com a torcida. A filha e minha amiga Carla era
mascote da torcida e a tia a carregava ao Maracanã desde pequenininha. Era uma
criança que gostava muito de interagir.
- Eu viajei com eles por muito por anos. Nosso ponto de
encontro era no edifício Central, ali perto da banca do Gino. Nosso ônibus
parava ali e de lá saíamos. Era muito gostoso. Lembro que o Tião Macalé viajava
muito com a gente e ele não saia da torcida, tinha muita afinidade com a nossa
Young, relembra.
Algumas das fotos do tempo de torcida |
![]() |
Sua Carteirinha da Young Flu |
As reuniões eram realizadas em Tomaz Coelho, onde Armando Giesta tinha uma fábrica de produtos químicos, para organizar as viagens, bandeiras, camisas. Ela era muito próxima a ele e tinha várias funções dentro do grupo. Sobre Armando Giesta não poupa elogios.
- Era um homem agregador e que tinha o respeito dos
componentes e muito conhecido pela mídia. Uma pessoa maravilhosa, muito gente
boa, um homem que fez muito pelo clube. A família dele até brigava, pois ele
tirava dinheiro da firma para colocar na torcida e fazia isso por amor. Eu era
protegida dele e ninguém tirava farinha comigo, acho que sempre fui abusada,
comenta.
E Laizete viveu uma época glamourosa onde o Francisco Horta
nos brindou com um time chamado de Máquina Tricolor. Tinha Paulo Vítor Duílio,
Deley, Branco, Tato, era um elenco maravilhoso. Agora o seu grande ídolo foi Assis.
- Amava o Assis. Queria muito conhecê-lo e perturbava o
Armando para me apresentar a ele. Ele era um homem lindo! Até que um dia, o
Giesta me levou ao vestiário e quando eu fiquei frente a frente com o ídolo só
consegui dizer: “Assis eu te amo”, relata com um sorriso no rosto.
Ela conta que certa vez, Assis apareceu de surpresa no
Olaria, clube que ela frequenta desde menina, e ao se deparar com o craque
tratou de exaltar novamente o seu amor pelo nosso carrasco:
- Meu Deus, olha só o
meu amor está aqui, disse ela a Assis.
Segundo ela Assis e Washington, nosso eterno Casal 20, eram
simpáticos, acessíveis e carinhosos com a torcida. Sempre dispostos a dar
autógrafos, conversar, tirar fotos, bem diferente de alguns do elenco atual.
- Quando ele se foi fiquei desolada. E o Washington foi
antes. Nossa, levou um tempo para a ficha cair. Nunca mais veria em campo o meu
amor vestido com aquele short curtinho que eu adorava, declara.
-O Fluminense é tudo pra mim. As cores da camisa me fascinam.
Somos uma torcida de gente bonita alegre, de bom astral, que contagia. Agradeço
pelos dez anos que vivi na Young Flu.
Um jogo especial?
- Aquele jogo onde o Renato Gaúcho fez o gol de barriga
marcou a minha vida. Gritava tanto, meu marido chorava de emoção. Foi uma
mistura de sentimentos.
Agora ela tem duas histórias bem hilárias para contar. Toda
vez que o Fluminense ganhava ela que levava a bandeira para casa a hasteava na
janela com aquele orgulho tricolor.
- Meus vizinhos não davam conta. Só que quando o Flu perdia
alguns faziam questão de me esperavam chegar para retribuir a brincadeira. Essa
coisa de colocar a bandeira na janela é uma tradição minha, diz.
E tem a história do baile que frequentava todo final de
semana na Cinelândia. Certa vez ela disse aos seus amigos que se o Fluminense
vencesse o jogo chegaria lá com a bandeira. Muitos não acreditaram. Fluminense
venceu e, como prometido, ela entrou no salão com a bandeira em punho gritando:
“Neeeennnseeeee”. Resultado, o baile acabou já que a galera toda se uniu a ela
neste coro.
Atualmente ela se afastou dos estádios pela violência, mas
está sempre ligada nos jogos e nos acontecimentos dentro das Laranjeiras. E
deixa um recado para os mais novos:
- Peço que a torcida se conecte e pare com essa violência que
não leva a lugar nenhum. Temos que nos unir por um Fluminense forte.
E como todo tricolor tem que ter seu último pedido realizado,
o dela é:
- Quero meu caixão do Fluminense e também estar com a camisa.
E acho bom que cantem o hino todinho na hora de minha despedida!
Pedido anotado Tia amada.
Créditos das fotos: Carla Cristina.
Muito bom , parabéns pelo texto e pela bela personagens Tricolor, tia Laizete...!!!
ResponderExcluirUma mulher guerreira e muito querida.. Grata pela leitura querido amigo Tricolor!!!
ExcluirBons tempos :D
ResponderExcluirTYF NCL Rua Uruguay 79-84
ST****
Bons tempos meu amigo.. Bom demais abrir esse baú de memórias.. Grata pela leitura e carinho. ST
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