quarta-feira, 13 de julho de 2016

As aventuras da Tia Laizete

No dia em que conheci minha amiga Carla usava uma de minhas camisas do Fluminense e de imediato ela disse:

- Minha mãe também é tricolor roxa, assim como você. Já vi que serão amigas.

E a profecia se cumpriu. Ao conhecer a tia Laizete Tavares houve aquela empatia instantânea e, claro, que o Fluminense teve muito a ver com isso. Ela me contou tantas histórias incríveis e eu pensava: “Que mulher sensacional e ousada por ter participado de uma torcida numa época onde o preconceito comia solto.” Ela era da Young Flu, por sinal, outro amor que temos em comum.

E ela ficou lisonjeada ao conceder a entrevista pela oportunidade de compartilhar o que foi capaz de fazer para manter o nosso Fluminense em seu lugar de destaque dentro do cenário do futebol brasileiro.

Nascida em Fortaleza, ela sempre nutriu uma paixão pelo clube, era coisa de família, e apesar da distância e do fato de não poder assistir aos jogos de seu time, manteve acesa a chama. A situação mudou quando aos 22 anos mudou-se para o Rio de Janeiro e foi morar na casa de seus tios, ele um italiano louco pelo Fluminense, que passou a levá-la aos estádios.

- Era uma época onde as rodadas aconteciam à noite e me lembro com muita emoção da primeira vez que pisei no Maracanã. Estava um frio danado e eu ali sentindo aquele arrebatamento, foi inesquecível, conta ela.





Sua paixão pela torcida Young Flu aconteceu um pouco mais tarde. Foi quando conheceu seu ex-marido, que a apresentou ao então presidente Armando Giesta, em meados de 1974. Ele cuidava das coisas da torcida e ela se animou de imediato e pediu a ele para participar das reuniões. Em 1978, Giesta a chamou e disse:

- Baixinha vou te registrar. E assim foi feito. Minha carteirinha era número 134, recorda orgulhosa.

Baixinha era o apelido carinhoso que ela ganhou do querido Armando. E naquela época uma mulher fazer parte de torcida não era tarefa fácil. Elas eram mal vistas, só que a Tia Laizete nunca ligou para isso.

- Gostava muito daquele ritual de chegar ao Maracanã às dez da manhã para enrolar papel higiênico e ensacar talco. Era uma galera que ficava na nossa antiga sala 18. E nem sempre tínhamos a autorização da polícia, mesmo assim pulávamos o muro e fazíamos tudo escondido.

E por falar em pular muro, ela pulou placar eletrônico também numa rodada dupla. O Fluminense jogou contra o Atlético e o Flamengo entraria em campo logo depois. E na hora da saída os torcedores do nosso maior rival cercaram a torcida tricolor.

- Corríamos para todos os lados e eles nos cercavam e, com isso, a solução foi fazer uma Tereza (amarrar uma camisa na outra) para pulamos o placar e não sofrermos agressões. Armando Giesta e vários amigos da torcida estavam juntos neste dia, conta ela.

Ela também passou por experiências terríveis.

- Teve um jogo contra o Corinthians que não conseguíamos sair do estádio para entrar no ônibus, pois a torcida deles queria pegar a nossa. Chegou uma hora em que nossos meninos se encheram de coragem e fizeram uma fila para que as meninas conseguissem chegar ao veículo. E lá dentro preparamos uns bambus com areia e demos para eles usarem em sua defesa. Lembro que rodamos pela cidade até às nove horas da manhã, pois não conseguíamos sair da cidade, até que apagamos o ônibus e colocamos o resto dos morteiros nas janelas. Quando os corintianos perceberam já era tarde, os morteiros acesos assustaram e os pegaram de surpresa, conta.

Ela fala da sua Young Flu com brilho nos olhos e afirma que é uma torcida boa, só de amigos, além de ser a mais bonita torcida do Fluminense. Laizete largava tudo pelo Fluminense. Como não trabalhava dedicava seu tempo ao clube e estava sempre junto com a torcida. A filha e minha amiga Carla era mascote da torcida e a tia a carregava ao Maracanã desde pequenininha. Era uma criança que gostava muito de interagir.

- Eu viajei com eles por muito por anos. Nosso ponto de encontro era no edifício Central, ali perto da banca do Gino. Nosso ônibus parava ali e de lá saíamos. Era muito gostoso. Lembro que o Tião Macalé viajava muito com a gente e ele não saia da torcida, tinha muita afinidade com a nossa Young, relembra.


Algumas das fotos do tempo de torcida

Sua Carteirinha da Young Flu


As reuniões eram realizadas em Tomaz Coelho, onde Armando Giesta tinha uma fábrica de produtos químicos, para organizar as viagens, bandeiras, camisas. Ela era muito próxima a ele e tinha várias funções dentro do grupo. Sobre Armando Giesta não poupa elogios.

- Era um homem agregador e que tinha o respeito dos componentes e muito conhecido pela mídia. Uma pessoa maravilhosa, muito gente boa, um homem que fez muito pelo clube. A família dele até brigava, pois ele tirava dinheiro da firma para colocar na torcida e fazia isso por amor. Eu era protegida dele e ninguém tirava farinha comigo, acho que sempre fui abusada, comenta.

E Laizete viveu uma época glamourosa onde o Francisco Horta nos brindou com um time chamado de Máquina Tricolor. Tinha Paulo Vítor Duílio, Deley, Branco, Tato, era um elenco maravilhoso.  Agora o seu grande ídolo foi Assis.

- Amava o Assis. Queria muito conhecê-lo e perturbava o Armando para me apresentar a ele. Ele era um homem lindo! Até que um dia, o Giesta me levou ao vestiário e quando eu fiquei frente a frente com o ídolo só consegui dizer: “Assis eu te amo”, relata com um sorriso no rosto.

Ela conta que certa vez, Assis apareceu de surpresa no Olaria, clube que ela frequenta desde menina, e ao se deparar com o craque tratou de exaltar novamente o seu amor pelo nosso carrasco:

 - Meu Deus, olha só o meu amor está aqui, disse ela a Assis.

Segundo ela Assis e Washington, nosso eterno Casal 20, eram simpáticos, acessíveis e carinhosos com a torcida. Sempre dispostos a dar autógrafos, conversar, tirar fotos, bem diferente de alguns do elenco atual.

- Quando ele se foi fiquei desolada. E o Washington foi antes. Nossa, levou um tempo para a ficha cair. Nunca mais veria em campo o meu amor vestido com aquele short curtinho que eu adorava, declara.




E o que o Fluminense representa em sua vida?

-O Fluminense é tudo pra mim. As cores da camisa me fascinam. Somos uma torcida de gente bonita alegre, de bom astral, que contagia. Agradeço pelos dez anos que vivi na Young Flu.

Um jogo especial?

- Aquele jogo onde o Renato Gaúcho fez o gol de barriga marcou a minha vida. Gritava tanto, meu marido chorava de emoção. Foi uma mistura de sentimentos.

Agora ela tem duas histórias bem hilárias para contar. Toda vez que o Fluminense ganhava ela que levava a bandeira para casa a hasteava na janela com aquele orgulho tricolor.

- Meus vizinhos não davam conta. Só que quando o Flu perdia alguns faziam questão de me esperavam chegar para retribuir a brincadeira. Essa coisa de colocar a bandeira na janela é uma tradição minha, diz.

E tem a história do baile que frequentava todo final de semana na Cinelândia. Certa vez ela disse aos seus amigos que se o Fluminense vencesse o jogo chegaria lá com a bandeira. Muitos não acreditaram. Fluminense venceu e, como prometido, ela entrou no salão com a bandeira em punho gritando: “Neeeennnseeeee”. Resultado, o baile acabou já que a galera toda se uniu a ela neste coro. 

Atualmente ela se afastou dos estádios pela violência, mas está sempre ligada nos jogos e nos acontecimentos dentro das Laranjeiras. E deixa um recado para os mais novos:

- Peço que a torcida se conecte e pare com essa violência que não leva a lugar nenhum. Temos que nos unir por um Fluminense forte.
E como todo tricolor tem que ter seu último pedido realizado, o dela é:

- Quero meu caixão do Fluminense e também estar com a camisa. E acho bom que cantem o hino todinho na hora de minha despedida!

Pedido anotado Tia amada.



Créditos das fotos: Carla Cristina. 

4 comentários:

  1. Muito bom , parabéns pelo texto e pela bela personagens Tricolor, tia Laizete...!!!

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    1. Uma mulher guerreira e muito querida.. Grata pela leitura querido amigo Tricolor!!!

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  2. Bons tempos :D
    TYF NCL Rua Uruguay 79-84
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    1. Bons tempos meu amigo.. Bom demais abrir esse baú de memórias.. Grata pela leitura e carinho. ST

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